5 de março de 2018

Novo secretário de Segurança do Rio quer diminuir confrontos armados em comunidades

Em entrevista exclusiva, general Richard Fernandez Nunes afirma que levará ações sociais do Exército para as favelas do estado
General Richard Fernandez vai comandar a segurança do Rio nos próximos dez meses Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

General Richard Fernandez vai comandar a segurança do Rio nos próximos dez meses - Guito Moreto / Agência O Globo
ELENILCE BOTTARI / GABRIELA GOULART
RIO - “A gente tem que saber a hora de vestir o uniforme’’, disse o general Richard Fernandez Nunes, ao justificar a troca da farda camuflada por um terno bem cortado, na entrevista exclusiva concedida ao GLOBO na sexta-feira. O oficial ainda se acostuma ao novo local de trabalho, a sede da Secretaria de Segurança. Por ora, nada mudou na sala recém-ocupada nem nos principais postos sob seu comando, mas, como dá a entender, “tudo pode’’.
A previsão é de que o general fique no cargo durante os dez meses da intervenção federal no Rio. Depois disso, uma foto dele segue para a galeria de ex-secretários que decora o quarto andar do prédio da Central do Brasil e que já contabiliza 16 nomes — e existem molduras vazias já instaladas à espera de mais cinco. Nunes, porém, quer deixar mais do que uma foto na parede. Prepara o que considera uma missão das mais difíceis: levar ações sociais para as favelas. Prevista na concepção das UPPs, a iniciativa foi abandonada ou sequer começou em muitas comunidades.
Dono de um discurso conciliador e otimista, o general descarta a ocupação militar de comunidades e quer diminuir os confrontos armados: “As causas serão resolvidas nos planos econômico, social e político’’.
Há um recrudescimento da violência em comunidades que contam com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Ao tomar posse como secretário de Segurança, o senhor declarou que fará um redirecionamento do projeto. Como isso acontecerá? Vamos fortalecer as UPPs que têm relatórios positivos. Temos que consolidá-las e garantir que não haverá retrocesso. Como isso vai ser feito? É necessária uma ação política. Se os índices de criminalidade estão controlados, é o momento de atrair a atuação do poder público e de agências sociais. Faremos isso, por exemplo, na Vila Kennedy. Levaremos as ações sociais do Exército, com a participação de outras instituições. As UPPs que têm possibilidade de melhoria com incremento da atuação policial serão reaparelhadas. Já as unidades que tornariam contraproducente qualquer ação serão desativadas. Não vamos investir em algo que não dará resultado. Precisamos ter foco. Faremos ações que mostrem à sociedade que vamos quebrar essa tendência (de recrudescimento da violência), para que possa haver otimismo. E, a partir daí, realizaremos ações de reestruturação de longo prazo.

Como fazer com que a população se sinta otimista em relação à segurança pública?
Estamos no mesmo barco. Ou nos unimos para resolver isso ou vamos ficar reclamando eternamente. Precisamos partir para ações concretas, com diálogo entre as instituições. Não há processo de pacificação calçado na expressão militar do poder. É só uma face da solução. Quando uma ocupação se restringe à atuação militar, não resolve as causas do problema, mas os efeitos. As causas serão resolvidas nos planos econômico, social e político.

Muito já se falou nos últimos anos sobre a implantação de ações sociais para a contenção da violência. Algum passo já foi dado nesse sentido? 
Eu acabei de falar com a direção dos Correios. Convidei diretores da empresa a virem aqui (na sede da secretaria, no Centro) porque estamos tentando criar um mecanismo de reversão de uma expectativa altamente negativa semeada no Rio. Qualquer cidadão se sente prejudicado pela questão dos roubos de encomendas dos Correios, dos assaltos a carteiros. Trata-se de uma profissão emblemática, roubar um carteiro é algo que impacta a vida de todos. Então, qual é a ideia? Vamos baixar os índices desse crime porque, agora, estamos integrados. Isso facilitará o combate. Estamos falando de um crime federal, de atribuição da Polícia Federal, mas agiremos juntos para que informações cheguem detalhadas a todos e possamos trabalhar bem nos locais de maior incidência. Fizemos uma proposta para que a empresa recue sobre a taxa extra (de R$ 3) criada em razão dos roubos no estado. A criação da taxa foi uma péssima notícia para o Rio. Pedi que reavaliassem a análise de risco, porque ela foi baseada em uma média retrospectiva. A gente tem que gerar confiança, convencer a todos que os resultados virão.

Os autos de resistência (mortes decorrentes de intervenção policial) bateram recorde em janeiro. Segundo o Instituto de Segurança Pública, foram 154 casos. Essa política de enfrentamento será mantida?
Política é quando a gente, dentro de um determinado cenário, define um objetivo e traça uma estratégia para atingi-lo. O enfrentamento, para mim, é quase uma lei de ação e reação. É um círculo vicioso, que precisa ser rompido. Meu papel é trabalhar junto às polícias de modo que, com uma capacitação mais aprimorada, com equipamentos mais adequados, possamos garantir maior proteção para o policial, o que, de certa forma, reduz sua exposição aos riscos. Obviamente, estando menos suscetível a esse tipo de ação, a reação dele não será tão intensa. Acompanhei pessoalmente esse problema, estive três meses no Complexo da Maré. Diariamente, entrava em vielas com meu pessoal. Muitas vezes, um suspeito é preso, um menor é flagrado atirando em um agente da lei, e, depois de uma semana, ele está lá de novo. Isso cria um mecanismo psicológico na tropa. É como se o militar se perguntasse: “De que adianta prender esse indivíduo se, daqui a uma semana, ele será solto e vai atirar em mim de novo?”. Para quem fica pouco tempo numa comunidade, como eu fiquei, é uma coisa. Mas para quem vive nesse ambiente por causa da profissão de agente de segurança é difícil, a vida dele está em jogo a todo momento.

Fazer operação numa comunidade onde um policial foi morto é algo que também será rompido?
Não podemos entrar num clima de comoção. Para romper esse círculo vicioso, precisamos de um trabalho de conscientização, mostrar que não é possível viver assim. Hoje, a sociedade resolve pequenas questões com uma violência absurda, há um clima de intolerância em toda parte. Questões menores se transformam em atos violentos, com desfecho muitas vezes trágico. Precisamos fazer campanhas com o objetivo de desarmar o espírito porque, por trás de uma arma disparada, há um espírito conflagrado. É um fenômeno que contamina a sociedade como um todo, que passa até pelas crianças.

Mas como seria essa conscientização?
Devemos entender o que a população quer de fato. Quer apenas que criminosos sejam presos? Quando um criminoso é preso e, dias depois, volta às ruas para cometer o mesmo crime, isso não é um problema de segurança pública, é algo que extrapola. Quando a gente acha que o receptador da carga roubada deve ter um tratamento diferente daquele que a roubou, não estamos tratando só de segurança pública. Cargas são roubadas porque pessoas as comercializam. Vamos continuar simplesmente prendendo quem rouba carga ou vamos atuar no conjunto?

O senhor defende o fim dos confrontos, mas propôs uma legislação especial para as ações militares...
 Acho que, para situações extraordinárias, deve existir flexibilidade para entendermos o que precisa ser modificado. Se a situação não fosse extraordinária, eu não estaria aqui. Uma força militar ocupando um complexo de comunidades na segunda maior cidade do país não é comum. Então, não posso submeter um soldado a um código legislativo inadequado para a situação. A operação não é policial, é militar. Assim, os atos desse soldado têm que ser apreciados pela Justiça Militar. Ninguém quer autorização para o soldado praticar um crime, mas, se for submetido a um julgamento, é necessário que haja essa percepção (de situação extraordinária).

A intervenção federal encontrou dois grandes problemas: a falta de efetivo e o sucateamento da frota das polícias. Como solucioná-los?
Nossa prioridade imediata é reequipar as polícias. Já temos projetos em andamento, aguardamos o encerramento de um processo licitatório para a entrega de mil viaturas que já foram adquiridas pelo estado. Ou seja, boas notícias virão em curto prazo. Já havia iniciativas em andamento, e o que nos compete é ajustar processos à realidade que nós encontramos. Veremos que tipos de parcerias com órgãos federais podem resultar em benefícios para a segurança no Rio. De qualquer forma, as novas viaturas proporcionarão uma segurança grande para a implementação de ações nos primeiros meses da intervenção.

E a situação do armamento das polícias?
Temos, no Exército, unidades de excelência no que diz respeito à manutenção de armas. Podemos, dentro de nosso setor especializado, fazer um trabalho de recuperação. Também vamos mexer no processo de aquisição de munição, que precisa ser permanente. Na logística, um dos aspectos fundamentais é o fluxo. Não adianta fazer uma grande compra, pontual, e depois passar um grande período sem novas aquisições. Deve haver um processo contínuo de substituição.

A corrupção nas polícias é apontada como um gargalo da segurança pública. Como enfrentá-la? 
Vamos fortalecer muito as corregedorias. Temos aqui, na secretaria, a Corregedoria Geral Unificada, e ainda há as corregedorias internas de cada órgão. Vamos fazer ações concretas para fortalecer, prestigiar e cobrar. A primeira coisa para fortalecer um órgão é conferir prestígio ao seu chefe, para que todos saibam a sinalização que foi dada. O segundo aspecto é proporcionar os meios necessários para que ele possa atuar, com plano de metas. O problema maior é a impunidade. Então, se conseguirmos punir de modo eficaz os casos de desvio de conduta, mostraremos que as corregedorias estão funcionando.

O senhor pensa em nomes extra quadros para as corregedorias?
Eu não havia pensado nisso. Mas, pela experiência que tenho, é uma medida que nem sempre surte o efeito desejado. Porque é necessário conhecer por dentro. A auditoria precisa ser feita por quem conhece profundamente.

Havia uma expectativa de trocas nos comandos das polícias. Elas virão? 
Tudo pode. Estou estudando. Mas pode haver.

A nomeação de delegados e comandantes sob influência político-partidária muda com um general da ativa na Segurança?
Totalmente. Eu não serei influenciado por qualquer pressão político-partidária. Estaria negando aspectos legais e, em termos éticos, jogando toda a minha vida profissional fora.

Por que ocupações militares foram descartadas?
Chegamos à conclusão que não produzem resultado, só desgastam um efetivo enorme. Isso é o que a criminalidade quer: mil homens imobilizados numa área. As ações que estamos fazendo vão ter resultado um pouco mais adiante.
O Globo/montedo.com

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