10 de abril de 2018

Oriente Médio: guerra na Síria deixa de ser civil

Roteiro visto por Moscou se cumpre, e guerra na Síria deixa de ser civil 
A última coisa de que o mundo precisa é de uma troca de tiros entre russos e americanos 
Dois soldados aparecem dentro de um tanque de guerra em uma área com construções destruídas; veículo blindado é visto de cima
Soldados do Exército sírio avançam em área próxima a Duma, região atingida por ataque químico no último sábado (7) - 8.abr.2018/AFP
Igor Gielow 
Os dramáticos desenvolvimentos na nova etapa do conflito na Síria escancaram o fato de que aquela guerra já deixou de ser civil há tempos, com camadas interligadas de choques geopolíticos sérios. Após a entrada em campo da Turquia no norte do país, o estopim agora é o ataque químico atribuído à ditadura de Bashar al-Assad, apoiada pela Rússia e pelo Irã.
No dia 13 de março, as Forças Armadas russas haviam dito ter identificado uma trama para o uso de armas químicas por rebeldes anti-Assad visando justificar um ataque americano a Damasco. A versão veio com uma advertência, reforçada pelo chanceler Serguei Lavrov: se soldados de Moscou na Síria, onde desde 2015 viraram a então guerra civil em favor do ditador, fossem alvejados, haveria retaliação. Das duas, uma: ou Moscou já previa o uso de armas químicas e planejou uma narrativa preventiva, ou falava a verdade. Seja o que for, o roteiro está em curso, e a última coisa de que o mundo precisa é de uma troca de tiros entre russos e americanos. Se esse último cenário é improvável por apocalíptico e porque Donald Trump é o rei da bravata, cabe lembrar que o presidente que lançou mísseis contra uma base síria após ataque químico semelhante em 2017 agora está cercado por assessores linha-dura —daí talvez o tom ameaçador de que "Putin vai pagar". 
Novidade no contexto, Trump foi instigado pela retaliação do aliado Israel, que deixou de ser um ator de bastidor e começa a lutar às claras contra o que considera uma questão existencial: a influência do Irã na Síria. Trump havia dito que queria deixar a Síria, onde mantém 2.000 homens de forças especiais. Agora, se coloca prazos públicos para decidir sobre um ataque a Assad. Para Israel, que já vinha intensificando ataques diretos contra Damasco neste ano, a lógica é simples. As forças do Hizbullah libanês, milícia armada por Teerã, atuam na campanha síria e podem acabar estacionadas na região próxima do Golã ocupado por Tel Aviv. Com isso, haveria duas frentes possíveis para um eventual ataque a Israel. É um cenário politicamente inaceitável para os israelenses, devido ao custo civil e à impossibilidade de derrota do Hizbullah senão com uma invasão e ocupação de território libanês e sírio —e nem se fala aqui numa ação combinada com os palestinos do Hamas em Gaza, igualmente apoiados por Teerã. 
O fato de Israel ter sido denunciado por Lavrov pelo ataque é outra novidade, já que Moscou fazia vista grossa às ações do país. O destroçamento da relação entre Rússia e Ocidente não ajuda. A reação coordenada do Ocidente no caso do espião envenenado no Reino Unido já sugeria uma inflexão, de resto útil para espanar as suspeitas de ajuda russa a Trump. A linha de Moscou já é pública, e Trump será testado. Se atacar e cometer erros, arrisca uma escalada. Se não atacar, Israel tende a agir mais intensamente. Exceto que um coelho diplomático surja de alguma cartola, será escolher entre dois males.

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