25 de abril de 2016

Israel tem aumento de queixas de crimes sexuais no Exército


DANIELA KRESCH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM TEL AVIV
A carreira militar do brigadeiro Ofek Buchris, 47, um dos cotados para chefiar as Forças Armadas israelenses, estagnou assim que uma soldada alegou ter sido violada, sodomizada e assediada sexualmente enquanto ele era seu superior.
Com o uniforme cravejado de medalhas e solidéu na cabeça, Buchris, casado e religioso, jurou inocência e apresentou dois testes com detector de mentiras para provar que falava a verdade.
A reação inicial dos colegas foi apoiá-lo. Houve até abaixo-assinado de ex-comandados contra o "linchamento público" do oficial, que foi ferido numa operação militar, em 2002, e era considerado modelo de superação.
"Muitas pessoas o conhecem e podem testemunhar quanto à sua amabilidade", escreveu no Facebook uma soldada que esteve sob seu comando. "Quando ficava com ele no escritório à noite, ele fazia questão de deixar a porta aberta para que eu não me sentisse desconfortável."
Mas, quando outra soldado se queixou também de assédio e, principalmente, quando outros dois testes com polígrafo revelaram respostas enganosas, o destino de Buchris mudou. Sua promoção como chefe da Divisão de Operações do Exército foi cancelada, e ele foi afastado da caserna indefinidamente.
O número de queixas quanto a crimes sexuais no Exército tem aumentado. Pulou de 777 em 2012 para 930 em 2013 e 1.073 em 2014. As reclamações sobre estupro e casos mais violentos também estão em alta: de 6 em 2013 para 8 em 2014 e 12 em 2015.
Para alguns, esse aumento reflete uma alta na conscientização sobre os crimes sexuais. Principalmente depois de 2012, quando o Exército criou o Centro Mahut (essência, em hebraico), ao qual soldadas e soldados podem fazer reclamações anônimas.
"Não se pode dizer de uma forma concreta que, se há aumento, há mais assédio. Mas podemos dizer que, quanto mais queixas, maior a conscientização", diz a tenente-coronel Limor Shabtai, vice-assessora para Assuntos de Gênero do Exército.

SEGREDO CONHECIDO
O assédio sexual no Exército israelense, no entanto, é uma espécie de "segredo conhecido" há décadas. Há até pouco tempo, os militares eram vistos quase como celebridades, mesmo quando o tratamento dispensado às mulheres era duvidoso.
Um dos maiores exemplos é o do mitológico general Moshe Dayan, que protagonizou uma série de romances extraconjugais. Em sua autobiografia, sua primeira mulher, Ruth, escreveu que o ex-marido "não tinha bom gosto quando se tratava de mulheres". Foi a filha do casal, a ex-parlamentar Yael Dayan, que legislou a primeira lei contra o assédio sexual, em 1998.
Um recente programa de TV chocou o país ao apresentar testemunhos sobre outro ex-general mitológico, Rehavam "Gandi" Zeevi, morto em 2001 por palestinos durante a Segunda Intifada. Segundo o programa, Zeevi costumava estuprar militares mulheres em seu escritório e comprar seu silêncio com dinheiro.
A natureza do serviço militar, com bases afastadas e o trabalho em conjunto intenso, além do ambiente masculino, ainda é um desafio para as soldados –que, no passado, eram apenas secretárias ou serviam cafezinho. A combinação disso com a embriaguez do poder levar comandantes a usar suas posições para assediar subordinados.
Contribui para isso o fato de que o alistamento militar é obrigatório. Israel é o único país do mundo onde mulheres precisam servir no Exército (dos 18 aos 20 anos). "Como o alistamento é obrigatório, o Exército espelha a sociedade civil de Israel. Infelizmente, os problemas sociais não ficam de fora dos quartéis", diz Shabtai.

ELITE POLÍTICA
Acusações de crimes sexuais também têm atingido a elite política, sem contar instituições como a polícia. O principal exemplo é o ex-presidente Moshe Katsav, que cumpre pena de sete anos por estupro e assédio sexual.
"A sociedade israelense passou por uma mudança significativa quanto a ofensas sexuais", escreveu o jornalista Akiva Eldar no site "Al Monitor". "Tolerância zero para agressores sexuais é uma boa notícia para quem defende direitos humanos e feminismo".
Mas a maioria das vítimas ainda não presta queixa temendo a repercussão, principalmente da opinião pública, diante do que muitos consideram ser uma instituição eticamente quase imaculada.
Em abril de 2015, a soldada May Fatal, por exemplo, tomou coragem e acusou publicamente o coronel Liran Hajbi de assediá-la por meses. Ele foi rebaixado e dispensado. Mesmo assim, Fatal foi acusada, nas redes sociais, de querer manchar a reputação das Forças Armadas.
"Há os que vão preferir lembrar as medalhas e os prêmios (de Hajbi), mas eu só me lembro de suas ações repulsivas contra mim. Um herói de Israel (...) não está acima da lei", escreveu Fatal no Facebook.
Folha de São Paulo/montedo.com

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