2 de novembro de 2015

Comandante do Exército defende afastamento de general que criticou o governo e diz não haver motivo para intervenção

“Há uma crise ética, mas instituições cumprem seu papel”
Tânia Monteiro / Brasília
Dois dias depois de se ver obrigado a demitir o comandante militar do Sul, general quatro estrelas Antonio Hamilton Martins Mourão, e transferi-lo para a Secretaria de Economia e Finanças, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, concedeu entrevista ao Estado na qual avisou que quem fala pela Força é somente ele. Mourão fez declarações de cunho político nas quais pregou o “despertar de uma luta patriótica” e afirmou que “a vantagem da mudança (da presidente da  República) seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção”. Apesar da ressalva, o comandante defendeu que “militar pode falar” e “tem de falar”, destacando, no entanto, que “cada um na sua esfera de atribuição”. “Em questões institucionais”, afirmou, “quem se manifesta é o comandante”.
Villas Bôas declarou que “há uma crise ética no País”, embora ressalve que a chegada do PT ao poder “não tem responsabilidade nisso”. Disse também que “a corrupção está instalada no Brasil”, mas que todas as instituições estão em pleno funcionamento e que “não há chance” de intervenção dos militares.
Ao citar os cortes orçamentários afirmou que houve forte impacto na Força, que já tem “problemas nas fronteiras” e que está faltando munição. Disse ainda que a substituição dos 226 mil fuzis FAL, da década de 1960, pode demorar 226 anos porque atualmente só há recursos para se comprar mil fuzis por ano.

A demissão do general Mourão foi uma punição exemplar?
Trata-se de um oficial reconhecido na Força, que tem todo o respeito do comandante. Mas essa questão não pode ser abordada de maneira simplista. Essa movimentação teve o sentido de que toda e qualquer manifesta ção do Exército tem de ser institucional.

O sr. teme que possa haver solidariedade ou indisciplina na Força?
Dentro do Exército, não. Se não se tomasse nenhuma providência poderia ser um precedente. A intenção é fazer um sinal de que esse procedimento não pode ser aceito.

Militar não deve falar?
Militar tem de falar, pode falar. É lógico que, cada um na sua esfera de atribuição e nas questões institucionais, quem se manifesta é o comandante. A sociedade se desacostumou a ouvir os militares e sempre qu e os militares se manifestam isso causa alguma reação, repercussão e não deve ser assim. O segmento militar faz parte da sociedade e do Estado e tem um papel muito importante.

O sr. falou do risco de uma crise política atual se transformar em crise social, que isso preocupa e diz respeito às Forças Armadas.
O Exército passou 14 meses na Favela da Maré, no Rio, porque havia risco de crise social. Nos preocupa sim porque se a crise econômica prossegue, o desemprego e a falta de perspectiva aumentam e é natural que isso acabe se transformando em um problema social. E problema social que se agrava, se transforma em violência, passa a nos dizer respeito diretamente. Esse é o papel constitucional do Exército. Nosso papel é manter a estabilidade e qualquer coisa que venha eventualmente a quebrar essa estabilidade preocupa.

Mas isso não tem nada a ver com intervenção política?
Absolutamente. Não tem. E é bom que fique claro isso. O Brasil é um País com instituições sólidas e
amadurecidas, que estão cumprindo seus papéis.

O governo está com baixíssima credibilidade e sob acusação de corrupção, problemas econômicos. A presidente tem condição de enfrentar e superar este momento?
Cabe às instituições solucionarem. Temos o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União, a Polícia Federal. Todas as instituições do Executivo, do Legislativo e do Judiciário estão funcionando. A gente sente que há uma incerteza. São tantos atores, as variáveis que se movimentam, que é difícil dizer qual será o desfecho disso. Mas eu acredito que esta situação vai se solucionar sem quebra da normalidade institucional do País.

O presidente da CUT convocou a população a pegar em armas e ocupar trincheiras para defender o mandato da presidente Dilma.
Esse tipo de manifestação nos preocupa porque se trata de incitamento à violência. Ela não contribui para a estabilidade do País e a normalidade do funcionamento das instituições. Mas é algo que diz respeito à segurança pública diretamente. Então nos preocupa, mas de maneira nenhuma vai provocar nossa atuação.

O sr. teme que, caso o Congresso decida pelo impeachment da presidente, haja uma convulsão social e o Exército tenha de entrar?
O Exército deve estar preparado para qualquer emprego previsto na Constituição.

Um presidente da Câmara dos Deputados acusado de vários crimes é um problema?
Esse é um problema que toca diretamente e deve ser solucionado no ambiente do Legislativo. Não faz parte das atribuições do Exército.

Há uma crise ética no País?
Há uma crise ética no País. Inclusive, está muito mais comum do que se pensa as pessoas pedirem que o Exército tome providências para solucionar a crise. Elas estão demandando, na verdade, os valores que as Forças Armadas representam e a sociedade está carente. Sem a restauração desses valores é difícil que o Brasil recupere trajetória de evolução, do progresso e do desenvolvimento.

A chegada do PT ao poder tem responsabilidade nisso?
Não, absolutamente. Isso já vem de algum tempo. Essa crise ética da sociedade brasileira é um processo que não se instaura de um momento para o outro. Nem mesmo a autoridade da professora na sala de aula está sendo mais reconhecida.

O sr. concorda que a corrupção está instalada no Brasil?
Concordo. Mas eu diria que esse é um estado de coisas que nós vivemos. Durante a Operação Pipa, no Nordeste, 60% dos 6.800 caminhoneiros que trabalham na distribuição de água tentaram algum tipo de fraude. Não se trata de estigmatizar os caminhoneiros. Eles fazem parte da sociedade brasileira. São práticas que se tornaram comuns na sociedade e isso é a base de uma pirâmide. A medida que vai subindo, vai se potencializando.

Os cortes vão trazer problemas para as fronteiras?
Já temos problemas nas fronteiras. Apesar de todo o esforço e sacrifício de nosso pessoal, temos dificuldades para cumprir nossas missões. O Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras), por exemplo, já está ameaçado. A previsão original era de instalação em dez anos, de 2012 a 2022. Com os seguidos cortes, a conclusão foi adiada para 2035 e, agora, não ficará pronto antes de 2065. Ou seja, todas as tecnologias desenvolvidas de agora já estarão obsoletas.

Os nossos armamentos como os fuzis estão obsoletos?
Usamos ainda o fuzil FAL da década de 1960, que já está se tornando obsoleto. A Imbel desenvolveu o fuzil IA2, que está sendo usado pelas tropas brasileiras no Haiti. Mas ele está sendo produzido num ritmo muito menor do que seria necessário. Precisamos substituir os 226 mil fuzis. Mas só estamos comprando mil deles por ano. Também está faltando munição e isso deixa o adestramento  prejudicado.

Isso quer dizer que caso precise haver emprego da Força, nós poderemos ter problemas?
Poderemos.
ESTADO DE SÃO PAULO, via Resenha do Exército/montedo.com

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