20 de julho de 2015

A continência no pódio

O Brasil quer ser uma democracia, é uma democracia e será uma democracia. [...] 
É algo que os militares entenderam. Falta a alguns civis entender o que são os militares.
Charles Chibana bate continência
Em Toronto, Charles Chibana bate continência no pódio (Foto: Geoff Robins/AFP)
David Coimbra
As lideranças militares não queriam que Getúlio Vargas vencesse as eleições de 1950. Mas ele venceu. Chegou ao poder “nos braços do povo”, em sua própria definição. Foi a propósito disso que um repórter perguntou-lhe, antes da posse:
– O que os militares farão agora?
E Getúlio:
– Continência.
Perfeito. Getúlio deu uma resposta de democrata, a despeito de ter sido ele o maior sabotador da democracia brasileira. Não fosse por Getúlio e o golpe de 1930, o Brasil hoje seria outro. Porque, até então, o Brasil experimentava o que hoje se chama de “normalidade democrática”, mesmo em meio a fraudes eleitorais e uma série de outras falcatruas. Era preciso o que hoje se reivindica: uma profunda reforma política. Os avanços sociais ocorridos durante a ditadura de Vargas acabariam acontecendo mais cedo ou mais tarde. Era uma tendência internacional irreversível.
O golpe de 1930 criou o precedente. A partir dali, alguma facção sempre tentaria tomar o poder à força, e as regras passaram a mudar de acordo com a conveniência. Depois de 1930, o Brasil teve de esperar a virada do século para experimentar dois mandatos presidenciais sem sobressaltos ou mudança de lei.
Vou abrir um parêntese para você conferir o que digo: (Depois de 1930, 15 anos de Pai dos Pobres. Em 1946, o inexpressivo Dutra é eleito apoiado por Getúlio e, depois dele, o Pai dos Pobres volta. Mas mete uma bala no coração em 1954. De 1955 a 1960, governa o faraó Juscelino, construtor daquela inexplicável pirâmide do Planalto Central, onde Dilma anda de bicicleta. Mas seu sucessor, Jânio fi-lo porque qui-lo, renuncia após proibir o jogo, condecorar Che Guevara e tirar as caspas do paletó. Em 1961, Brizola garante a posse de Jango no blefe, o Brasil passa rapidamente do parlamentarismo para o presidencialismo, Brizola sonha com o golpe, mas quem dá o golpe são generais de óculos escuros, que ficam no poder de 1964 a 1985. Então, era para Tancredo subir a rampa do Planalto, mas quem sobe é Sarney. Em 1990, finalmente, um civil é eleito. Não por acaso, trata-se de um arremedo de Jânio Quadros. Mas ele não tem partido que o sustente e é impichado. Seu vice dá a impressão de ser insignificante, mas, em dois anos, faz o melhor governo da história do país, acabando com a inflação e estabilizando a democracia. Quando se pensava que tudo enfim seria previsível, as regras são mudadas de novo, para permitir a reeleição de FHC. Só aí o Brasil conseguiu encadear mandatos. De novo, não por acaso, arremedos de Getúlio e Dutra: o Padrasto dos Pobres e sua criatura amorfa. Fecha parêntese).
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Getúlio, portanto, foi o grande verdugo da democracia brasileira. Mas fez uma leitura certa do que são as Forças Armadas: instituições que devem estar a serviço do país, protetoras da democracia. Donde, a continência aos superiores. E o superior dos generais é o presidente eleito.
É isso que é a continência: uma manifestação de respeito ao superior. Quando atletas fazem continência à bandeira brasileira no pódio do Pan, não estão fazendo uma manifestação ideológica: estão manifestando respeito ao país. Depois que Ulysses brandiu a Constituição na tribuna do Congresso, em 1988, os militares se afastaram em definitivo da política. Passamos por muitos percalços, e estamos passando ainda, e passaremos por outros tantos, mas chegamos a uma conclusão: o Brasil quer ser uma democracia, é uma democracia e será uma democracia. Este foi nosso maior avanço e daí não haverá recuo. É algo que os militares entenderam. Falta a alguns civis entender o que são os militares.
Zero Hora/montedo.com

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