16 de fevereiro de 2015

Os sargentos do Exército Brasileiro na era do conhecimento. Quando será?

A manchete aí de cima foi editada por mim. Segue a matéria da Revista Verde Oliva. No final, teço alguns comentários sobre o assunto.

Os sargentos do Exército Brasileiro na era do conhecimento.
Em consonância com o Projeto de Liderança do Exército Brasileiro, conduzido pelo Estado-Maior do Exército, e tendo por objetivo valorizar e motivar os sargentos que passam pelo processo de aperfeiçoamento empreendido pela Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas, foram criadas as funções de Coordenador-Geral do Corpo de Alunos (atual Comandante do Corpo de Alunos) e de Coordenadores de Turma, exercidas exclusivamente por sargentos.
O mundo vive a era do conhecimento, caracterizada pela rapidez e facilidade de acesso à informação global. Encurtaram-se distâncias e abriram-se fronteiras na difusão do conhecimento e da informação. Hoje, sabemos praticamente tudo de todos em poucos minutos. Nesse contexto, o Exército Brasileiro (EB) também evoluiu em vários aspectos. Entre os vetores de transformação e modernidade da Força Terrestre, apresenta-se a evolução na utilização dos recursos humanos – homens e mulheres que ostentam o uniforme verde- oliva e dedicam suas vidas à carreira das Armas e à defesa da Pátria.
Ao completar o 366º aniversário, numa demonstração de conexão com a era do conhecimento, o EB rende uma homenagem àqueles que, dentro da Força Terrestre, sempre foram tidos como o elo fundamental entre o comando e a tropa: os sargentos. Este artigo tem o objetivo de realizar uma análise da evolução da utilização das experiências e conhecimentos dos Sargentos, tomando como base a estrutura criada e desenvolvida durante os 21 anos de existência da Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas (EASA), em Cruz Alta (RS).
Como elemento de interface entre o comando e a tropa, os sargentos pouco assessoravam no processo decisório, ocupando naturalmente uma zona de conforto e acreditando que o pensar e o decidir não eram inerentes à carreira das Praças. Por outro lado, o que se exigia dos sargentos era que fossem auxiliares do oficial instrutor, na figura de um executante perfeito. Tal situação era sintetizada na palavra monitor.
A difusão do conhecimento evoluiu mundialmente a partir dos anos 1990, época em que as Forças Armadas do Brasil passaram a viver um momento ímpar, com graduados cada vez mais educados formalmente, escolarizados e cultos. As estatísticas apontavam um crescimento no número de sargentos que chegavam para frequentar o Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS) com um nível de escolaridade de ensino superior completo, pós-graduação ou mestrado, nas mais diversas áreas do conhecimento. Isso denotava que o EB contava com recursos humanos mais capacitados e ávidos por maiores desafios e responsabilidades. Justamente nessa linha evolutiva, fazia-se indispensável a utilização do graduado como um assessor direto, trazendo consigo toda a experiência pessoal e profissional, principalmente a visão do executante, combinada com a educação formal conquistada, para somar-se ao processo decisório.
No ano de 1993, atendendo ao desafio proposto pelo EB de acompanhar a modernização do ensino e motivar seus recursos humanos, a EASA implementou uma iniciativa com foco na valorização e motivação daqueles Sargentos que, ao passar por um rigoroso processo de seleção conduzido pelo Exército e pela EASA, demonstravam possuir maturidade pessoal e profissional compatíveis com o tamanho das responsabilidades que assumiriam. Os desafios propostos como forma de valorizar esses militares foi a criação da função de Coordenador-geral do Corpo de Alunos (atual Comandante do Corpo de Alunos), com as atribuições precípuas de assessorar o Comandante como membro do Estado-Maior da EASA e exercer a chefia e a liderança do Corpo Discente. Completando essa inovadora estrutura, foram criadas as funções de Coordenadores de Turma, exercidas exclusivamente por sargentos, com atribuições de chefia e liderança das turmas do Corpo de Alunos.
A iniciativa do então Tenente-Coronel Etchegoyen, primeiro Comandante da EASA, foi ousada e inovadora, pois a composição do Estado-Maior de uma organização militar (OM) ou de uma grande Unidade pressupõe a formação de uma equipe qualificada e, sobretudo experiente para assessorar o Comandante no desenvolvimento de linhas de ação que o levarão à tomada de decisões acertadas e oportunas. Os oficiais, ao longo dos séculos, identificavam e, por vezes, valiam-se da experiência dos graduados no decorrer do processo decisório. No entanto, os sargentos, embora possuidores de qualificações, não eram chamados a assessorar na tomada de decisões. Especialmente na evolução desse aspecto, distingue-se a estrutura criada na EASA, pois seu primeiro Comandante conseguiu ver nos graduados a experiência e a qualificação suficientes para atuarem como seus assessores em assuntos relativos ao Corpo de Alunos. Essa decisão foi ousada e contou com o esforço contínuo dos Comandantes sucessores para ser desenvolvida.
O exercício da liderança militar não é tarefa fácil e sempre exigirá do líder uma porção extra de estratégia, dedicação, coragem e caráter. O fato de o líder militar ter em mãos homens e mulheres que juraram defender a Pátria, até mesmo com o sacrifício da própria vida, não dá àquele o direito de dispor da vida de seus subordinados indiscriminadamente para o cumprimento da missão. Pelo contrário, recai sobre o líder o dever de treiná-los exaustivamente para que, se a Pátria os chamar ao dever, o resultado obtido no campo de batalha seja, sobretudo, a incontestável vitória e a economia de vidas. Com isso em mente, desde sua criação, em 1º de fevereiro de 1993, como Centro de Aperfeiçoamento de Sargentos do Comando Militar do Sul – CIAS-Sul, a atual (EASA) selecionou e designou dezenas de sargentos para o desempenho das funções de Coordenador-geral do Corpo de Alunos e Coordenadores de Turma do Corpo de Alunos.
Esses sargentos responderam à expectativa da Instituição e desempenharam suas funções com esmero e elevado grau de profissionalismo e responsabilidade. O sucesso dessa iniciativa é fruto de um criterioso processo de seleção que toma como base a necessidade de um perfil militar com elevado nível de maturidade pessoal e profissional para o desempenho de funções de chefia e liderança. Entenda-se aqui por maturidade pessoal a capacidade do indivíduo de entender, aceitar e resolver as situações problemas com serenidade e uma margem de acerto diferenciada. Entenda-se, ainda, a capacidade do militar de alinhar-se aos valores da Instituição e, com isso, empregar o conhecimento, a experiência e a intuição de forma a fornecer ao decisor linhas de ação que não atentem contra a ética militar, a hierarquia, a disciplina e a segurança das ações, levando o comando à obtenção do melhor resultado e preservando-se o ambiente e os relacionamentos. Além disso, o treinamento e a preparação a que tem sido submetido, é determinante para o sucesso desses profissionais que têm a oportunidade de participar efetivamente do processo decisório, na EASA, e no apoio à tomada de decisões relativas aos processos conduzidos pelo estabelecimento de ensino.
Os resultados são positivos e estão além do esperado, pois houve uma clara elevação da autoestima dos graduados que passaram pela escola, tanto nas funções de instrutores e coordenadores, como na condição de Sargento-Aluno do Curso de Aperfeiçoamento. O resultado é um estabelecimento de ensino que pode ser considerado como uma referência dentre os exércitos dos países da América do Sul, tendo aperfeiçoado 85 militares de Nações Amigas até o ano de 2013.
Apesar da estrutura criada e desenvolvida na EASA ser peculiar e ainda desconhecida, ela fascina e contagia a todos que por ela passam ou com ela tem contato, pois coloca o EB mais próximo dos exércitos mais modernos do mundo. Mas, por que a estrutura do Corpo de Alunos da EASA fascina? “A EASA é realmente uma ilha”. Essa é uma frase constantemente ouvida na EASA. É comum Sargentos-Alunos reagirem com um misto de encantamento e surpresa ao tomar conhecimento da estrutura organizacional da EASA, que conta com o Sargento Comandante do Corpo de Alunos como integrante do Estado-Maior. Eles ficam encantados pelo ineditismo, pelo sentimento de representatividade e pertencimento. Surpresa por ver uma estrutura estranha aos padrões das unidades do Exército Brasileiro e que dá certo, que estimula a liderança e, sobretudo, valoriza o sargento. É a expressão do profissionalismo, fruto de uma aposta ousada da Força Terrestre.
É certo que todo processo evolutivo ou transformador requer tempo, pois busca a quebra de paradigmas e modelos mentais. O Exército Brasileiro, desde guararapes, tem mantido seus valores e tradições, os quais são fundamentais para marcar a identidade da instituição. Contudo, a estrutura precisa acompanhar a realidade atual, que requer maior dinamismo e transformações. No contexto atual, é mais provável que as ações militares se desenvolvam por meio de alianças e coalizões. A experiência de outros exércitos nos mostra que é necessário um trabalho de operações conjuntas, integrado e sincronizado, tanto nas Forças Armadas quanto Interagências, para potencializar os resultados desejados em operações de amplo espectro, como operações ofensivas, defensivas, de estabilização ou de garantia da lei e da ordem. Toda essa quebra de paradigmas e mudança de modelos mentais perpassa por uma evolução ou transformação estrutural com vistas a possuirmos um exército moderno e adaptado à era do conhecimento, pretensão visualizada no modelo adotado pela EASA.
Em suma, a mudança estrutural a que foi submetida a EASA tem provado que é possível valorizar nossos recursos humanos, em especial, os sargentos, bem como transformar a Força Terrestre por meio de mudanças que levem à quebra de paradigmas. Conclui-se ainda, com base na experiência adotada na EASA, que isso não ocorre da noite para o dia, sendo necessário pensamento estratégico, conhecimento, visão moderna, tempo e preparação. Além disso, observou-se que as mudanças de estrutura ocorrem mais facilmente quando são faseadas. Primeiro, repensando e desenvolvendo as competências necessárias por meio de um sistema de treinamento direcionado e educação formal. Segundo, desenvolvendo a confiança por meio da atribuição de tarefas e funções mais desafiadoras e de maior responsabilidade. E, por fim, transformando a estrutura existente pela criação de novos cargos e funções, compatíveis com o conhecimento e as competências atuais dos graduados, ou seja, compatíveis com os sargentos na era do conhecimento.
Revista Verde Oliva/montedo.com

Comento
Tenho um imenso orgulho de ter servido na EASA por seis anos e, de alguma forma, estar inserido nesse processo. A transformação do Exército, Marinha e Aeronáutica passa, necessariamente, pela valorização da condição do sargento como profissional militar. 
Utopia, para alguns; bobagem, para outros; impraticável, para a maioria. Para mim, o único caminho possível para que as Forças Armadas se modernizem, efetivamente. De nada adiantam equipamentos modernos sob a tutela de mentes arcaicas.
Infelizmente, por muito tempo, a EASA continuará sendo uma ilha. Cito um exemplo: um concludente do curso de Sergeant Mayor do US Army foi Comandante do Corpo de Alunos da Escola. Ao deixar a função, foi nomeado instrutor de uma Academia americana por dois anos. Nesse período de cerca de quatro anos, exerceu funções de comando, chefia e liderança em alto nível. Ao ser exonerado, foi classificado numa OM de tropa e designado para a função de encarregado de material - tarefa que já desempenhei, com muito orgulho.
Ou seja, ao invés do Comando aproveitar a notória qualificação e vivência profissional do militar, designou-o para cuidar de panelas, montar barracas e instalar P Cags nos acampamentos, porque, afinal, é para isso que serve um subtenente. E ponto final!
Uma guinada rumo ao exemplo que deu certo na nação que ostenta o maior poder bélico do mundo, sepultando a visão do século XIX - herança do período imperial e da missão militar francesa - é tarefa de décadas, pois exige uma profunda mudança de mentalidade, tanto dos oficiais, quanto dos praças.
Tarefa para Comandantes, com C maiúsculo. 
Excelências do Alto Comando, algum dos senhores se habilita?


Arquivo do blog

Compartilhar no WhatsApp
Real Time Web Analytics