29 de outubro de 2014

Bom para o currículo: na Noruega, Exército reúne 'os melhores entre os melhores'.

Norueguesas, ao exército
Parlamento de Oslo estabelece o serviço militar obrigatório para as mulheres
KRISTIN SULENG 
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Uma soldada norueguesa vigia uma rua de Oslo. / WOLFGANG RATTAY (REUTERS)
A Noruega lidera as estatísticas das Nações Unidas sobre igualdade. Tem uma primeira-ministra, uma bispo à frente da Igreja Luterana e desde 14 de outubro, depois da aprovação no Parlamento, a obrigação de convocar também as mulheres ao exército. A medida transforma o país nórdico no primeiro da Europa a estender o serviço militar obrigatório às mulheres que, segunda uma nova lei, devem se incorporar a partir do verão de 2016, começando pelas jovens nascidas em 1997.
As mulheres entraram pela primeira vez nas Forças Armadas em 1985, após pressão do movimento feminista, mas nunca superaram 10% dos efetivos. Com a intenção de duplicar essa porcentagem em nome da igualdade, o governo trabalhista do ex-primeiro-ministro Jens Stoltenberg, atual secretário-geral da OTAN, lançou em 2008 a primeira proposta de mudança na lei do serviço militar, aprovada agora pela atual coalizão de centro-direita, liderada pela conservadora Erna Solberg.
Os defensores da iniciativa a defendem como uma garantia para assegurar o recrutamento em um país de apenas cinco milhões de habitantes. Seus opositores consideram-na supérflua em um exército (com 23.000 soldados, ampliável a 83.000 em caso de conflito) cada vez mais profissional. O líder do Partido Democrata Cristão, Knut Arild Hareide, com 6% de representação no Parlamento, não gostou da medida: "Apresenta-se como parte de uma luta para avançar na igualdade de gênero e, ainda que haja grande consenso sobre a importância da igualdade, não foram analisadas as consequências para a sociedade", explica ao EL PAÍS.
"O exército tem que reunir os melhores entre os melhores, 
por isso o serviço militar é importante para o currículo" 
Marie Simonsen, jornalista sueca
Nos vizinhos europeus, onde o alistamento voluntário está associado à modernidade das Forças Armadas, o exemplo norueguês pode ser entendido como uma contradição. Apenas Suíça, Áustria, Finlândia, Dinamarca, Estônia, Grécia e Chipre mantêm a obrigatoriedade militar, e apenas para homens. Para as mulheres, o exército é obrigatório em menos de uma dúzia de países do mundo, entre eles, Israel, Tunísia, Cuba e Coreia do Norte. "A Noruega considera o serviço militar obrigatório como um dos pilares da sociedade, no mesmo nível da escola primária, no qual estão representadas todas as classes sociais e regiões do país", explica Marie Simonsen, responsável da área de política do diário Dagbladet. "Somos céticos sobre a necessidade de ter um exército profissional. Os militares ajudaram a formar um exército altamente qualificado, que serve como um espelho da sociedade, e pouco marcado pela cultura guerreira", acrescenta.
Apesar da obrigação legal, apenas um quarto dos jovens de cada promoção — aqueles, e agora aquelas que completam 19 anos — se incorpora ao exército. É necessário passar por provas teóricas, psicológicas e físicas. "O exército tem que reunir os melhores entre os melhores, por isso o serviço militar é importante para o currículo", diz a jornalista Simonense, ao apontar que as Forças Armadas contam com um grande apoio popular e uma alta reputação na Noruega.
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A extensão do serviço militar obrigatório às mulheres ajudará, segundo Ayesha Wolasmal, uma ex-soldada norueguesa que esteve no Afeganistão, no destacamento de operações internacionais, onde há necessidade manifesta de mulheres na primeira linha. "O exército moderno não precisa apenas de homens com grandes músculos e mochilas. Na minha experiência, percebi a importância das mulheres em situações que meus colegas masculinas não puderam intervir, como gerar confiança na população, treinar as mulheres de forças de segurança locais... As mulheres contribuem para aumentar a compreensão e flexibilizar situações desafiadoras. Além disso, o exército é uma instituição social que deve refletir o povo que defende". Uma norueguesa, a comandante Kristin Lund, converteu-se em maio na primeira mulher a liderar uma missão da ONU (a força de paz no Chipre).
Wolasmal, filha de afegãos nascida na Noruega há 27 anos, trabalha como assessora na Tankesmien Agenda, em um think thank de centro-esquerda que tenta conscientizar o povo sobre políticas de justiça social. "Uma cota maior de mulheres no exército implica mais recursos. A mudança custará tempo e dinheiro, mas será essencial para recrutá-las e também para mantê-las. Se queremos motivá-las a escolher a carreira militar profissionalmente, as mulheres precisam se sentir aceitas e valorizadas. O exército deve reconhecer a necessidade de mulheres não apenas com palavras, mas também com feitos que eliminem o machismo".
A socióloga Ulla-Britt Lilleaas, investigadora da Universidade de Osolo, e especialista em questões de gênero no Exército, aponta em um relatório recente o risco que as mulheres sofrem de serem vítimas de assédio sexual nas forças armadas. "Apenas uma liderança competente das autoridades pode prevenir casos de assédio", afirma. A investigação, reunida em um livro que em breve será publicado na Noruega, recomenda o uso compartilhado do espaço entre os sexos, o que incentiva o companheirismo e a amizade na convivência.
Enquanto a Noruega comemora como um feito histórico a aprovação da lei militar para suas mulheres, ainda não está tudo pronto no terreno da igualdade, considera Lilleaas. "A política de igualdade permitiu que as mulheres conseguissem seus direitos na maioria dos âmbitos, mas também há problemas. Uma pesquisa recente indica que 10% das mulheres norueguesas foram estupradas. Aqui, no entanto, ainda há muito trabalho a ser feito".
EL PAÍS/montedo.com

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