27 de abril de 2014

Gestapo, a polícia de Hitler

Confira a história da Gestapo, a polícia secreta de Hitler
Ela nasceu em 1933 para esmagar a oposição a Adolf Hitler e logo se transformou na peça central do terror nazista. Com a ajuda de cidadãos comuns, a Gestapo vigiou, sequestrou, torturou e executou milhares de pessoas
Eduardo Szklarz
Em 1934, a estudante de música Ilse Sonja Totzke chamou a atenção dos moradores da pequena Wurtzburgo, na Alemanha. Volta e meia, era vista conversando com judeus. Graças a denúncias anônimas, em 1936, sua caixa de correio passou a ser vigiada pela Gestapo. Três anos depois, o médico Ludwig Kneisel foi ao quartel-general da polícia secreta do regime nazista para delatar o "comportamento suspeito" da vizinha. Em 1940, foi a vez da jovem Gertrude Weiss. Ela informou aos agentes que a estudante nunca respondia à saudação "Heil Hitler!".
Questionada no ano seguinte, Totzke confirmou que tinha amigas, mas não amigos judeus. Corria o risco de ser acusada de ter relações sexuais com eles - um grave delito de "desonra racial". Em vários interrogatórios, a Gestapo advertiu que a mandaria a um campo de concentração se mantivesse as amizades. Mas ela deu de ombros: declarou que não apoiava o antissemitismo do Reich. Em 1943, sob ameaça crescente, fugiu com a judia Ruth Basinsky para Estrasburgo (atual França), sua cidade natal. As duas cruzaram a fronteira com a Suíça, mas foram detidas na aduana e entregues à Gestapo. Totzke foi enviada ao campo de concentração de Ravensbruck - e nunca mais voltou.
Raros alemães desafiaram a Gestapo como ela. Milhões, contudo, viveram no mesmo clima de pavor, em que todos eram denunciantes e potenciais denunciados.
Após a Segunda Guerra, a polícia secreta de Adolf Hitler tinha a fama de ser infalível e implacável, quase onisciente, até. Hoje, porém, historiadores têm uma visão distinta. Embora fosse a peça central do terror nazista e agisse praticamente acima da lei, a Gestapo não teria a mesma eficácia sem a colaboração de cidadãos comuns, como Kneisel e Weiss. As fichas da estudante de música e outras vítimas também indicam que a brutalidade não atingiu a todos por igual nem aconteceu do dia para a noite. Ao menos no início do Terceiro Reich, muitos tiveram margem de manobra para lidar com as investidas do estado policial... até que já fosse tarde demais.

Quarta-feira, 26 de abril de 1933. Criada por um decreto do ministro do Interior da Prússia, Hermann Göring, a Gestapo surgiu da necessidade de o regime nazista controlar (e eliminar) seus adversários políticos.
Vigiar o pensamento não era novidade no país. Desde os tempos do Segundo Império (1871-1918), o chanceler Otto von Bismarck costumava recorrer a leis especiais para perseguir oponentes. Após a derrota da Alemanha na Primeira Guerra, o império deu lugar à República de Weimar (1919-1933). Mas a democracia manteve a velha estrutura policial, a cargo de cada estado, monitorando, inclusive, as atividades dos futuros donos do poder. Os efeitos do conflito ainda se faziam sentir, e os nazistas aproveitaram a turbulência que tomou conta da nação para obter sucessivos triunfos nas urnas.
Assim, quando o presidente Paul von Hindenburg apontou Hitler como chanceler, em janeiro, a base da Gestapo já estava pronta. Os nazistas só precisariam depurar os profissionais e aproveitar antigos métodos de inteligência, investigação e tortura para criar sua própria polícia secreta.
O incêndio do Reichstag (o parlamento), em 27 de fevereiro de 1933, foi decisivo nesse processo. Pesquisadores ainda discutem se os nazistas atearam o fogo (é provável que sim) - mas é fato que usaram as chamas para culpar os adversários comunistas. Pressionado por Hitler, Hindenburg assinou o Decreto do Reichstag, que facultou a polícia a espiar as comunicações privadas e manter suspeitos sob "detenção preventiva" sem acusação específica. O Partido Nazista obteve 43,9% dos votos nas eleições parlamentares da semana seguinte e conseguiu aprovar a chamada Lei de Habilitação, que dava ao führer o direito de dispensar o aval do parlamento ou do presidente para governar. Logo foram abolidas as liberdades de expressão, de imprensa e de associação.
Veteranos
Göring, que dirigia a força policial da Prússia desde fevereiro, já havia dispensado centenas de funcionários não alinhados com o ideário nazista. Eles foram substituídos, em geral, por integrantes das tropas paramilitares do partido, as SA e SS. O quartel-general, em Berlim, em breve teria jurisdição sobre todo o país, absorvendo outros serviços de inteligência de cada estado, que também passaram por expurgos internos. Em novembro, uma lei isentou a polícia secreta da jurisdição do Ministério do Interior e deu aos agentes uma liberdade de ação inédita.
"Cerca de 90% dos antigos agentes das polícias políticas permaneceram na Gestapo", afirma o historiador Robert Gellately, autor de várias obras sobre o Reich. Segundo ele, os veteranos acabaram atraídos por uma espécie de "tentação totalitária": o poder gigantesco adquirido pela instituição para controlar seus alvos. Suas demandas tinham prioridade sobre as de outras polícias. "A Gestapo reunia os investigadores de elite, encarregados de fazer valer as leis e os decretos que o regime considerava mais importantes: aqueles sobre raça e oposição política."
As primeiras vítimas foram os comunistas, social-democratas e demais adversários políticos. Dias após o incêndio, os nazistas ergueram 30 campos de concentração para os "inimigos". Antes que o mês de abril terminasse, mais de 5 mil pessoas já estavam em detenção preventiva. Em 25 de maio, a polícia da Baviera informou que o Partido Comunista e todos os seus afiliados "haviam deixado de existir".
A Gestapo serviu também para vigiar e punir seus próprios pares. Nomeado ministro da aviação, Göring se viu compelido, em 1934, a entregar o controle da força a Heinrich Himmler, líder da SS, então à frente das polícias de toda a Alemanha, exceto a prussiana. Interessados em conter a influência da SA (mais numerosa e dirigida por Ernst Röhm), os dois usaram a Gestapo e a SS para executar centenas de "camisas pardas" (os membros da SA) em 30 de junho daquele ano - a Noite das Facas Longas. Röhm não sobreviveu ao dia seguinte. Não era raro que as investigações da polícia secreta servissem como arma na disputa de poder dentro do regime. Que o digam Werner von Blomberg e Werner von Fritsch. Em 1938, eles renunciaram aos mais altos cargos das Forças Armadas da Alemanha por causa de informações pessoais e boatos espalhados por agentes da Gestapo. A mulher do primeiro posou para fotos pornográficas e o segundo foi acusado de ser homossexual.

Extermínio
A maioria desses agentes atuava atrás da escrivaninha, analisando denúncias. Nas batidas em locais suspeitos, nas ruas, frequentemente andavam à paisana. Mas, sob o comando de Himmler, que pretendia fundir toda a intrincada estrutura policial alemã à SS, investigadores, espiões e detetives tornaram-se cada vez mais violentos. Desde o início da Segunda Guerra, membros da Gestapo passaram a integrar, ao lado da tropa paramilitar, esquadrões da morte que seguiam o Exército nos países ocupados, eliminando quem bem quisessem - principalmente os judeus.
Himmler revelou-se um dos maiores carrascos da população judia ainda antes da guerra. A perseguição começou com um boicote econômico às suas lojas, ordenado por Hitler, em 1933. Dois anos depois, as Leis de Nuremberg cassaram a cidadania dos judeus e declararam ilegais os casamentos entre eles e pessoas de "sangue alemão". Qualquer contato passou a ser visto pelo regime como um crime em potencial.
E a polícia secreta mantinha-se atenta, para azar de Samuel Novak, entre tantos outros. Em 1936, o judeu de 61 anos foi a um restaurante berlinense com a jovem ariana Augusta Hauser. Um soldado avisou a Gestapo. Interrogada, ela revelou que tinha um caso com o patrão havia dois anos. Ambos foram presos e torturados. Desesperado ao saber da confissão da amante, Novak enforcou-se na cela.
"A maioria dos alemães achou que as novas leis estabilizariam a situação do país ao relegar aos judeus uma esfera de segunda classe e que isso sanaria a violência das ruas. Em geral, não pareciam se incomodar com a violação dos direitos fundamentais", diz o historiador Michael Burleigh no livro The Third Reich: A New History (O Terceiro Reich: Uma Nova História, inédito no Brasil). "A oposição se limitava à burguesia liberal, alguns enclaves católicos e homens de negócios preocupados com as repercussões no exterior."
A perseguição se intensificou para valer com a Noite dos Cristais, em 9 de novembro de 1938. Uma onda de ira popular varreu a Alemanha em represália ao assassinato de um diplomata, em Paris, por um judeu polonês, revoltado com a perseguição a seu povo. Os tumultos foram insuflados pelos escritórios locais da Gestapo. Deixaram mais de 90 judeus mortos e centenas de feridos. Cerca de 30 mil pessoas foram enviadas aos campos de concentração, administrados pela SS. A partir daí, a polícia secreta só permitiu perseguições "metódicas e planejadas", como dizia Göring.
Durante a guerra, o controle social foi radicalizado. O regime de exceção podia considerar delito qualquer frase dita em público que pudesse ofender "a vontade do povo alemão". A Gestapo se tornara mais poderosa do que nunca. Himmler conseguira unificar todas as forças policiais do país e submetê-las à SS com a criação do Escritório Central de Segurança do Reich (RSHA). Em 1940, a polícia secreta foi liberada de cumprir o Decreto do Reichstag. Ou seja, na prática, podia atuar como legislador, juiz, jurado e executor. Assim, tornou-se a última instância responsável pelo destino dos judeus.
Comandante em Berlim, Reinhard Heydrich personificava o estereótipo dos oficiais da Gestapo: intrépido e impassível. "Muitos também tinham uma personalidade insegura. Heydrich vivia atormentado pela ideia de ter um antepassado judeu", diz Eric A. Johnson em Nazi Terror. Segundo ele, os chefes de assuntos judaicos eram selecionados entre os veteranos de aparência pouco ameaçadora - uma estratégia para fisgar suas vítimas.
"Além de refinar métodos tradicionais de tortura, terror e colaboração, a Gestapo agregou um ingrediente novo: ela operava juntamente com organizações extraterritoriais e internacionais, como a Ausland-SD (agência de inteligência no exterior com abrangência das Américas ao Japão), o corpo diplomático alemão e departamentos policiais da Interpol, que ela ajudou a fundar (leia à pág. 31)", afirma o escritor Edwin Black, autor de Nazi Nexus.

O papel dos cidadãos
"Já não dá para dizer que a Gestapo estava em toda parte e o poder do estado era total. Também não dá para dividir os alemães em dois polos opostos: o dos seguidores cegos de Hitler e o das vítimas ou combatentes da resistência", diz Johnson, relativizando a gigantesca dimensão atribuída à instituição por pesquisadores no pós-guerra. Em Krefeld, por exemplo, com 170 mil habitantes, a polícia secreta tinha apenas 13 oficiais (um para cada 13 mil habitantes). No total, a Gestapo contava com 32 mil integrantes em 1944. Para ter uma ideia, as SA tinham 2,9 milhões, dez anos antes.
Com a equipe restrita, como a instituição conseguiu criar nas pessoas a percepção de que eram vigiadas o tempo todo? Eis a colaboração do "alemão comum". Qualquer um era tomado de pânico só de receber a carta timbrada convocando para "responder perguntas". Mas o ponto é: sem a ajuda dos vizinhos e companhia, a Gestapo não teria a mesma eficiência. Entre 1933 e 1939, 41% dos processos contra judeus em Krefeld foram iniciados por denúncias de civis. Em outras cidades, não foi diferente.
Alguns fofoqueiros chegaram a integrar uma "rede de espionagem" da instituição. Ninguém sabe ao certo seu tamanho. Em Nuremberg (2,7 milhões de habitantes, em 1941), havia 80 informantes para os 150 funcionários. Vários colaboradores eram antissemitas, e outros, indiferentes - mas, em geral, receptivos à propaganda nazista. E dispostos a dedurar pelo bem do país ou resolver desavenças pessoais, até rixas com ex-amante (veja acima). Uma cliente insatisfeita, da cidade de Mitelberg, denunciou Ludwig Hell por vender aguardente a uma judia em seu armazém, em novembro de 1941. Depois de passar pela loja de manhã, Helen Pfaff voltou à tarde para comprar uma cota extra de "produtos escassos". Hell recusou-se a atendê-la, mas serviu, sem cerimônia, a freguesa seguinte, uma judia. Pfaff reclamou à Gestapo. O comerciante teve de jurar que nunca mais faria algo parecido e permaneceu sob vigilância. Já o doutor Kneisel declarou que se sentia obrigado a denunciar Ilse Sonja Totzke por seu "dever como oficial da reserva".
"À medida que o regime se tornava mais totalitário, sobretudo durante a guerra, aí sim a Gestapo infundiu muito medo e adquiriu cada vez mais poderes para apertar os mecanismos de controle. Dessa forma, o que era permissível em 1935 terminava com prisão ou morte em 1943", afirma o historiador Andrés Reggiani, da Universidade Torcuato Di Tella.
"Não esperamos ser amados por muitos", dizia Himmler. Bastava o conformismo dos cidadãos. "O que o regime precisava era estabelecer a linha oficial, obter a cooperação e atuar sem descanso com base na informação recebida", afirma Gellately. Foi o que a Gestapo fez, sem que quase ninguém na Alemanha reclamasse da matança de 6 milhões de judeus, além de gays, ciganos e outras minorias.

Julgamento
Em 1946, o Tribunal de Nuremberg julgou os 22 criminosos de guerra mais importantes da Alemanha. Doze foram condenados à morte. A Gestapo foi definida como uma organização criminosa e a corte resolveu que os responsáveis pagariam por seus crimes. Mas vários manda-chuvas menos conhecidos, como Richard Schulenburg, puderam reorganizar sua vida normalmente. Aos 68 anos, o ex-chefe de assuntos judaicos em Krefeld pleiteou uma pensão do Estado. Submeteu-se a um processo de "desnazificação", em que teve de convencer um comitê da cidade sobre seu passado impoluto. Juntou referências de moradores e jurou nunca ter cometido delito: "Eu tratava com humanismo todas as pessoas". Não conseguiu a pensão, mas seu advogado apelou, justificando que ele fora obrigado a integrar a Gestapo. Deu certo: recebeu pensão até morrer, aos 82 anos. Karl Loffer, da polícia secreta de Colônia, também se reabilitou com cartas de apoio de líderes das Igrejas católica e protestante. Diretor-geral do departamento dedicado aos judeus, Adolf Eichmann fugiu para a Argentina, mas foi capturado por israelenses em 1960 e condenado à morte. Diversos companheiros dele, contudo, continuaram gozando a boa vida na América do Sul - e sabe-se lá onde mais.


Intercâmbio produtivo
Chefões da Gestapo e da cúpula nazista dominaram a Interpol
A Organização Internacional de Polícia Criminal, a Interpol, foi criada na Áustria, em 1923, para promover a cooperação entre as polícias do mundo. Para a Gestapo, o intercâmbio significava uma bela chance de aprimorar as técnicas de investigação. Não foi à toa que vários nazistas fizeram carreira na organização. Um deles foi o general da SS Kurt Daluege, eleito vice-presidente da Interpol em 1937. Reinhard Heydrich, um dos primeiros líderes da Gestapo, chefe da RSHA (que englobava as polícias do Reich, inclusive a secreta) e arquiteto do Holocausto, ocupou a presidência da organização entre 1940 e 1942. "Sob a nova liderança alemã, a Interpol vai ser o centro da polícia criminal", anunciou ele à época. A sede nacional da Interpol ficava numa mansão em Wannsee, subúrbio de Berlim. Foi ali que a cúpula nazista realizou uma conferência, em 20 de janeiro de 1942, para planejar a chamada Solução Final contra os judeus. Heydrich morreu meses depois, vítima de um atentado em Praga, mas o Reich não perdeu a liderança da organização por muito tempo. Ernst Kaltenbrunner (sucessor de Heydrich na RSHA) tornou-se presidente em 1943 - e continuou no cargo até o fim da Segunda Guerra.

Tentação perigosa
Agentes monitoravam um dos mais luxuosos bordéis de Berlim
Segredos de alcova também alimentaram a rede de informações do Reich. Uma parceria entre a Gestapo e o SD (o Serviço de Segurança do partido nazista) transformou um badalado bordel de Berlim em centro de vigilância. O Salão Kitty tinha escutas nos quartos e prostitutas treinadas para tirar confidências de clientes como diplomatas do exterior e oficiais nazistas. A ideia de Reinhard Heydrich era identificar possíveis traidores. O bordel foi operado pelo SD entre 1940 e 1942 e inspirou o filme Salão Kitty (1976), de Tinto Brass. Mulheres ambiciosas não só espionavam mas também tiravam vantagem de seu relacionamento com os barões da Gestapo, como a atriz russa Mara Tchernycheff. Protegida por Henri Chamberlain, chefe da polícia secreta na França ocupada, ela faturou alto contrabandeando bens de judeus deportados. Ela é uma das "condessas da Gestapo", citadas no livro homônimo de Cyril Eder, sem edição no Brasil.

Sem limites
Organograma do terror: como funcionava a polícia secreta
LIVROS

• Gestapo and German Society , Robert Gellately, Oxford University Press, Oxford, 1990.
O papel de alemães comuns como força da polícia. Sem edição no país. E será lançado, em breve, Apoiando Hitler.

• Nazi Terror, Eric. A. Johnson, Perseus Books, 2002
Rica em arquivos da Gestapo, oferece uma análise dos motivos que levaram civis a cooperar na caça aos judeus.

• História da Gestapo, Jacques Delarue, Record, 1962.
O autor participou da resistência francesa e acompanhou alguns processos contra os nazistas.

Por amor à pátria
A espionagem de alemães no Brasil da Segunda Guerra
A imagem que se faz hoje dos espiões deve-se muito à indústria cinematográfica do pós-Segunda Guerra, que lançou várias produções sobre órgãos como CIA, KGB e Gestapo. Vale o mesmo quando pensamos em espiões nazistas no Brasil: emergem das telas como figuras bem preparadas para a função de informante profissional. Mas, ao estudarmos o tema, notamos uma realidade bem diferente.
A pesquisa histórica indica que os espiões alemães no Brasil eram meros imigrantes, colaboravam com o Partido Nazista local, admiravam o regime de Hitler e eram bastante inseridos socialmente, com relações nos meios comerciais, políticos e, sobretudo, diplomáticos. Eram empresários, altos funcionários de empresas alemãs e bancos, industriais, jornalistas. Sua atividade era recolher informações que passassem por eles em seu trabalho ou comunidade e pudessem ser enviadas à embaixada alemã no Rio de Janeiro. Ou, por outros meios, diretamente para a Abwehr (serviço de informação do Exército alemão), em Berlim.
Imigrantes trabalhavam pela causa nazista mesmo de forma amadora e destreinada. Coletavam e enviavam informações para colaborar com o Eixo e poderiam, ou não, pertencer a redes de espionagem que interligavam grupos pela América do Sul.
Em fevereiro de 1942, enquanto se dava o procedimento para a retirada das missões diplomáticas do Eixo, devido ao rompimento de relações com o Brasil, a polícia investigou a existência de uma estação de rádio clandestina na embaixada alemã no Rio. A aparelhagem com duas antenas transmissoras foi usada para enviar mensagens secretas à Alemanha. Havia também ali um aparelho de transmissão de alfabeto morse, mas esse já havia sido enviado à empresa elétrica A. E. G., cujo diretor era Gustav Engels, um dos chefes de uma das redes de espionagem no Brasil. Outras empresas alemãs, como a Cia. Herm Stoltz e a Theodor Wille & Co., também tiveram, entre seus altos quadros, imigrantes alemães que colaboraram com a espionagem por meio de suas atividades comerciais.
Qualquer tipo de informação, por banal que parecesse, era de interesse do comando alemão. Esses espiões agiam, antes de tudo, movidos por um sentimento de nacionalismo, acreditando colaborar com o esforço de guerra da "pátria mãe". O repertório de informações comumente obtidas e transmitidas incluía assuntos de guerra (estratégias e política nacional e internacional) e temas ligados à política nacionalista brasileira, como a repressão à comunidade alemã no governo de Getúlio Vargas.
Uma das estações de transmissão apreendidas foi a CEL, parte da rede organizada por Engels (codinome Alfredo). As informações trocadas entre a CEL e a Alemanha foram: comunicados de endereços de receptores para onde deveriam ser destinados os dados; mudanças no destino das correspondências; o trabalho de outras organizações ou redes lideradas por outros grupos; informações sobre o uso de tinta invisível; identificação de periódicos brasileiros ou americanos que deveriam ser enviados para a Alemanha e avisos sobre novos espiões que viriam para o Brasil ou que ingressavam na rede. Entre os recursos técnicos que os agentes usavam, estavam tinta invisível, signos nos passaportes, códigos telegráficos, correspondências para caixas postais disfarçadas, técnicas de micropontos e microfotografias e as estações clandestinas. De acordo com a vigilância policial, que mantinha investigadores no encalço diário de alguns alemães, eram atitudes suspeitas: vigiar navios e marinheiros (ocupando-se de informações e movimentação marítima); passear regularmente à beira-mar (no Rio, em Santos e no Recife); frequentar "redutos de nazistas" (bares e pensões); manter relações com empresas como Theodor Wille & Co., A. E. G. etc. e, num mesmo dia, dirigir-se a locais diferentes pela cidade.
Foi assim que as autoridades brasileiras passaram a desconfiar de todo e qualquer estrangeiro alemão, pois acreditavam numa intrínseca relação entre os agentes da Gestapo, membros do Partido Nazista e os espiões a serviço do Reich.
* Priscila F. Perazzo, Historiadora, é professora na USCS e autora de O Perigo Alemão e a Repressão Policial no Estado Novo

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