31 de julho de 2013

Congo: um general brasileiro numa guerra real

Leste do Congo vive dias de batalha e tensão
BBC Brasil
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BBC Brasil  "Militares do Exército do
 Congo se reabastecem de munição "
A BBC Brasil acompanhou durante dez dias a rotina do general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, recentemente apontado pela ONU para liderar as forças de paz na República Democrática do Congo.
Santos Cruz preparava suas tropas sob um novo mandato do Conselho de Segurança, mas robusto, que pela primeira vez na história das missões de paz dá aos capacetes azuis o poder para atacar os rebeldes com uma brigada militar fortalecida.
Mas, em meio a esse processo de organização, a guerra entre rebeldes e forças do governo recomeçou com força nos arredores da cidade de Goma. Leia abaixo como isso alterou o cotidiano da cidade e a dinâmica das relações entre as forças em conflito.

Dias de guerra
O som provocado pela explosão dos projéteis de artilharia é seco, abafado pela terra após choque com o solo. Ele tem se repetido dezenas, centenas de vezes nos arredores de Goma, Kivu Norte, no leste da República Democrática do Congo. Nesta área, o Exército do governo e rebeldes do grupo M23 se enfrentam em uma batalha campal que se intensifica e arrefece periodicamente desde o último dia 14.
O M23 é formado por ex-militares treinados que desertaram das Forças Armadas levando grande quantidade de armamento pesado. Eles fazem oposição ao governo e teriam recebido financiamento de Ruanda, segundo relatórios da ONU.
O histórico recente de conflitos entre rebeldes e forças do Exército vinha sendo marcado pelas derrotas das tropas do governo. A principal delas em novembro do ano passado, quando seus soldados debandaram de Goma ao ver a aproximação dos rebeldes do M23 - que, em seguida, tomaram a cidade e só se retirariam após intensa negociação.
Mas, nos últimos dez dias, as tropas da RDC penetraram as linhas rebeldes e as empurraram para longe de Goma.
A campanha foi violenta: só na primeira semana 274 mortos, com baixas de ambos os lados. A política parece ser a de não fazer prisioneiros - apenas seis foram capturados pelas forças do governo (quatro morreram no hospital, segundo uma fonte da ONU).
A cidade de Goma está cercada por um cinturão de proteção formado pelas tropas de capacetes azuis do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Nos primeiros dias da batalha, famílias inteiras chegaram de vilas próximas com seus pertences em busca de segurança dentro da cidade.
Mas, também em um movimento inverso, multidões de jovens extremamente excitados caminhavam por quase sete quilômetros do centro da cidade em direção à frente de batalha. Desejavam torcer pela vitória de seu Exército nacional.
A cada nova colina tomada pela infantaria na linha de frente, nas ruas da cidade os jovens se atiravam ao chão em êxtase, aos gritos de celebração.
Pela estrada, picapes circulavam em alta velocidade transportando nas caçambas metralhadoras pesadas ou soldados armados com fuzis kalashnikov e lançadores de granadas RPG-7. Eles iam e vinham de Goma para substituir soldados da linha de frente e buscar mais munição.
Mas o entusiasmo da população arrefeceu após os choques iniciais e aparentemente se transformou em revolta. Centenas de manifestantes saíram às ruas para afirmar que o governo de Joseph Kabila não estaria lidando bem com o problema dos grupos armados. Como disse um especialista em África, tentar prever o que acontecerá em Goma é quase impossível.

No limite
Comboio da ONU passa por área rebelde (© foto: BBC)
"Comboio da ONU passa por área rebelde"
A posição da ONU diante do conflito entre o M23 e o Exército congoles é não interferir - desde que populações civis ou capacetes azuis não sejam alvo dos rebeldes.
Essa posição é produto de um cessar-fogo entre os capacetes azuis e o M23 - que vigora enquanto os rebeldes permanecem na rodada de negociações de paz de Kampala, em Uganda.
Dois dias antes do início do da onda de confrontos entre rebeldes e as forças de segurança do governo, era possível testemunhar esse frágil equilíbrio. Santos Cruz e seus oficiais voaram em um helicóptero Super Puma até uma base de capacetes azuis indianos na região de Rutshuro - 40 quilômetros ao norte de Goma - para inspecionar suas instalações.
De lá, o general decidiu seguir em um comboio por terra até Goma - cruzando o coração do território dominado pelo M23. 'Quero um fuzil no meu carro', disse Santos Cruz calmamente aos assessores, mesmo após ser informado que seria escoltado por tropas de infantaria embarcadas em caminhonetes.
O comboio seguiu protegido ainda por diversos blindados. Do céu opaco, permanentemente enevoado pelas cinzas do vulcão Nyiragongo, dois helicópteros de ataque Mi-24 da ONU, armados com metralhadoras e foguetes, surgiram voando baixo e em círculos em uma evidente demonstração de força. O general seguia em seu carro à frente da coluna.
Próximo ao vilarejo de Mutaho, já a poucos quilômetros de Goma, o comboio de Santos Cruz cruzou com duas unidades do M23. Os rebeldes, à beira da estrada, seguravam seus fuzis apontados para baixo e observavam. Forneceram passagem, mas não recuaram de suas posições.
A tensão perdurou até o comboio chegar ao posto de guarda de Muningi, a posição avançada da ONU nos limites da região de Goma. Menos de dois dias depois, a área toda estaria conflagrada pela batalha.
O M23 combate o Exército em uma frente e aparenta manter a trégua com a ONU enquanto acontecem as negociações de Kampala - que fazem parte de um esforço diplomático massivo do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, para levar a paz à região. Nem os rebeldes nem a ONU querem ser culpados por fechar a porta para uma eventual solução pacífica para o conflito.
Enquanto o tenso cessar-fogo permanece, os capacetes azuis devem adotar a estratégia de reforçar suas posições e aumentar a pressão sobre os rebeldes - até que eles concordem em assinar um acordo político permanente ou se desmobilizem.
Mas isso não significa que o confronto entre a ONU e o M23 seja uma possibilidade remota. Se o M23 atacar uma de suas posições, os capacetes azuis devem fazer uma demonstração de força. E eles estão amparados legalmente para fazer isso.
Segundo o novo mandato aprovado recentemente pelo Conselho de Segurança, eles podem usar 'todos os meios necessários' para atacar os rebeldes.
MSN/montedo.com

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