11 de fevereiro de 2013

“Natasha e o 'estado ditatorial militar'

Elio Gaspari 

PictureMadame Natasha estudou na Faculdade de Direito do largo São Francisco e abandonou o curso para fumar maconha em paz. Ela se lembra de três professores, todos diretores da escola. Um, Luís Antônio da Gama e Silva, foi ministro da Justiça no governo do marechal Costa e Silva. Em junho de 1968, ele propôs que o governo baixasse um Ato Institucional. Em dezembro, redigiu o AI-5 (...) foi substituído por outro ex-diretor da casa, o professor Alfredo Buzaid, cujo secretário-geral, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ocupou o mesmo cargo.
A partir dessa lembrança, Natasha decidiu oferecer uma de suas bolsas de estudo ao doutor Cláudio Fonteles, coordenador da Comissão da Verdade, pelo uso do conceito de ‘Estado Ditatorial Militar’ em suas bulas.
Ela crê que Fonteles poderia dizer ‘Estado Ditatorial’, botando civis na roda, pois sem eles não haveria atos institucionais e teria sido mais difícil manter as centrais de torturas montadas em quartéis”
O artigo levanta um ponto importante: afinal, o que é uma ditadura?
Os extremos são facilmente identificáveis: se as forças armadas tomam o poder e lá se instalam e oprimem a oposição, é uma ditadura. Foram os casos do Brasil, Chile, Argentina e vários outros países da América Latina entre os anos 1960 e 1990. Se um civil é eleito dentro do processo estabelecido por uma constituição feita através da participação da população, e mantém diálogo aberto e construtivo com todos os setores da sociedade durante o período no qual permaneceu no poder, e depois sai do poder sem tentar se perpetuar-se nele, é uma democracia.
O problema são os casos que ficam no meio.
Militares chegarem ao poder não significa, necessariamente, ditadura. 31 dos 43 presidentes dos EUA, por exemplo, serviram as forças armadas antes de se elegerem presidentes. Como, com raras exceções, um militar não deixa de ser militar (ele vai para a reserva ou inativa), pode-se dizer que quase três quartos dos presidentes americanos eram militares.
O simples fato de ser militar não faz do governo uma ditadura. Tampouco o fato de o governo ser composto por civis faz dele uma democracia. É verdade que isso é mais raro porque, para alguém exercer um governo contra a vontade da maioria, o ditador precisa ter o apoio de quem detêm as armas para forçar a população a obedecê-lo. E é muito mais difícil conseguir o apoio das forças armadas se aquela pessoa não é um militar. Mas acontece, e o Oriente Médio mostra como é possível haver ditadores civis. No caso das ditaduras do Oriente Médio, a legitimidade normalmente vem da hereditariedade ou de religiosos.
Pois bem, se não é a cor das vestes que distingue um ditador de um democrata, é a forma como ele chega ao poder?
Não necessariamente. Óbvio que qualquer um que chegue ao poder através da força não terá a legitimidade das urnas para dizer-se um democrata. Mas alguém eleito democraticamente pode muito bem ser um ditador. Hitler, para ficar em um exemplo histórico, foi democraticamente eleito. Isso não quer dizer que ele não sido um ditador durante o período em que permaneceu no poder.
O que diferencia uma democracia de uma ditadura também não é o exercício da vontade da maioria. Se a maioria resolve perseguir e matar a minoria, não é uma democracia.
Mas então o que é uma democracia?
A beleza de uma democracia é que ela não é definida por um único elemento, assim como um único instrumento não faz uma orquestra. É a combinação harmoniosa de vários elementos que fazem uma democracia. A ausência de qualquer um deles basta para criar uma ditadura. Elementos como a forma como se chegou ao poder, a forma como se permaneceu no poder, a forma como se exerceu o poder, a forma como se lidou com a oposição e as minorias enquanto se estava no poder, a própria alternância do poder, e assim por diante. Basta faltar um, e trata-se de uma ditadura.
Folha/montedo.com

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