14 de junho de 2010

NOVO CÓDIGO PENAL MILITAR SERÁ MAIS RIGOROSO

Rogério espera mudanças: ao delatar irregularidades, sofreu 
retaliações. Suspeitos estão impunes Foto: Fernando Souza/O Dia

Rogério diz que ao delatar irregularidades sofreu retaliações. Suspeitos estão impunes
Foto: Fernando Souza/O Dia
As punições para muitos crimes cometidos por militares deverão ficar mais rigorosas. Atualmente, a legislação dá tratamento diferenciado à categoria em relação aos civis - é o Código Penal Militar, elaborado em 1969. Com isso, eles acabam condenados a penas menores do que os demais brasileiros em crimes como latrocínio (roubo seguido de morte), extorsão mediante sequestro e tráfico de drogas. O tempo de punição poderá ser até cinco vezes maior, como para casos de atentado violento ao pudor. Para estupro, a pena é quatro vezes mais longa: de oito anos para até 30 anos.
Para corrigir as distorções, que já duram 40 anos, tramitam na Câmara dos Deputados, em Brasília, dois projetos de lei que alteram o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar. O novo texto também vai alterar a punição para delitos considerados menos graves, como estelionato e apropriação indébita, em que os militares recebiam penas maiores do que as previstas para o cidadão comum.
Apresentados pelo então deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), os projetos atendem a reivindicação antiga do Ministério Público Militar. "A lei dos crimes hediondos (a Lei 8.972/90), por exemplo, não foi estendida aos militares", afirmou ao jornal O Dia a procuradora-geral de Justiça Militar, Cláudia Márcia Ramalho Moreira Luz. O Ministério da Defesa informou que ainda está analisando os projetos e que não há posição sobre o assunto.
Sem homossexual e pederastia
Biscaia também propôs a retirada das expressões "homossexual" e "pederastia" na redação do delito de ato libidinoso, "em razão do caráter homofóbico". O novo código penal dos militares também terá um capítulo sobre os crimes envolvendo licitações públicas, nos moldes da Lei 8.666, em vigor desde 1993 para os demais servidores da administração pública.
Ele acredita que os projetos serão bem aceitos pelas Forças Amadas, que, no entanto, possivelmente vão sugerir ainda outras mudanças. "Faz parte da democracia", afirmou. As propostas estão na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, e devem ser levadas a votação em plenário no primeiro semestre do ano que vem.
"As novas normas são eficazes freios em favor do interesse público e da correção em procedimentos no setor", avalia o presidente do Clube Naval, almirante Ricardo Antônio da Veiga Cabral. "Sobretudo em relação aos crimes de licitações e aos contratos", ressalta.
Presidente da União Nacional das Esposas de Militares das Forças Armadas (Unemfa), Ivone Luzardo acredita que as mudanças contribuirão para que as leis militares evoluam com a sociedade. "A maior aproximação do código aos preceitos da Constituição enseja defesa mais ampla dos acusados, princípio fundamental para a preservação da dignidade", filosofa, defendendo discussão ainda mais ampla do assunto no Congresso.
Contra o tráfico
O novo código mantém a punição para crimes contra a vida, como homicídio, do jeito que é hoje: julgamento em tribunal civil e com o mesmo tipo de pena que o cidadão comum. No caso do tráfico de drogas, a pena triplica. Hoje, o militar que pratica esse crime é condenado a até cinco anos, enquanto a pena para os demais brasileiros vai a 15 anos.
A atualização também punirá o militar que colaborar, como informante, com o tráfico, com prisão de dois a seis anos. Para aquele que financiar essa prática, pena de oito a 20 anos. Já o flagrado com droga para consumo próprio em unidade militar continua sujeito a prisão de até cinco anos. O dispositivo da Lei 11.343 que substituiu a prisão do usuário de drogas por serviços à comunidade e participação em programas educativos só beneficia militar flagrado com drogas fora dos quartéis.
Ministério Público terá maior participação
Também mudam algumas regras do processo penal militar. Uma delas obriga a remessa dos autos do inquérito policial instaurado à Procuradoria do Ministério Público que atua na área onde ocorreu o delito investigado. Atualmente, os autos são remetidos à Justiça Militar. O juiz formará sua convicção sobre o ocorrido a partir da análise das provas colhidas em juízo, da forma como é hoje, mas a decisão não será fundamentada exclusivamente nos elementos da investigação, em que não há o contraditório e a ampla defesa da parte acusada. Atualmente, o juiz fundamenta seu julgamento unicamente sobre as provas que constam nos autos do inquérito.
A procuradora-geral de Justiça Militar, Cláudia Márcia Luz, afirmou que o Ministério Público tem dificuldades para punir efetivamente condutas criminosas no âmbito de licitações públicas porque a Lei 8.666 de 1993, que vale para toda a administração pública, não foi estendida aos militares.
"Os crimes da Lei 8.666 têm tratamento mais severo que no Código Penal Militar", afirmou. Segundo ela, se o Congresso aprovar o projeto de lei proposto por Biscaia, "todos os procedimentos e investigações que o MP vem fazendo acerca de processos licitatórios vão ser mais bem apurados e punidos".
O sargento do Exército Rogério da Silva Gomes, 45 anos, reclama justamente de estar sendo castigado enquanto seus antigos chefes permanecem impunes. Lotado entre 1997 e 1998 como secretário da comissão de compras do Hospital de Guarnição da Vila Militar (HGUVM) do Rio, Gomes denunciou ao MP um esquema de irregularidades que beneficiaria um grupo de oficiais. O inquérito instaurado foi remetido ao Ministério Público Militar. Tramita na área investigativa e não tem data para ser concluído. Enquanto isso o militar foi punido com sanções administrativas e prisão.
"Meu salário foi cortado no mês passado e uma dispensa médica desencadeou um processo de deserção. Ou seja, estou desgraçado psicológica e financeiramente, enquanto as pessoas que denunciei estão sendo condecoradas com medalhas e promoções. Espero que o novo código impeça essa impunidade", desabafou. 

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