18 de novembro de 2009

A FRONTEIRA INVISÍVEL

ROBERTO GODOY



O sargento Elias, das Forças Especiais do Exército, saltou de um avião Hércules C-130 para dentro da escuridão do norte da Amazônia, sobre um ponto perdido no mapa chamado Açaí. Estava armado com um fuzil 7.62 mm, munição, pistola, granadas, faca, mapa e rações de campanha. Eram 2h30 da madrugada de 27 de outubro de 1999. Caras pintadas com tinta negra de camuflagem, o pára-quedista e seus 90 companheiros deveriam simular o resgate de uma pista de pouso tomada por guerrilheiros.

O que esperava por Elias 2 mil metros abaixo é uma história nebulosa, que começa com tiros reais inesperados, disparados talvez por rebeldes colombianos que não deveriam estar ali, e termina na decisão do então presidente Fernando Henrique Cardoso de manter a alta prioridade do programa de instalação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), uma rede de radares, sensores, estações meteorológicas e de telecomunicações construída pela multinacional americana Raytheon em meio à floresta ao custo de US$ 1,4 bilhão, para cobrir 5,5 milhões de km².

Não foi um processo tranqüilo. O consórcio Thomson-Alcatel, concorrente francês ao contrato, denunciou por meio do jornal The New York Times o vazamento de informações privilegiadas para o grupo dos Estados Unidos mediante propina paga a funcionários civis e militares. A negociação parou. Uma investigação federal concluiu que não houve irregularidade.

Na época do salto na madrugada, oito anos atrás, o sargento era parte do grupo de 250 pára-quedistas designado para integrar o contingente de 5 mil soldados, apoiados por 40 aviões, envolvidos na feroz Operação Querari. Criado pelo Comando Militar da Amazônia (CMA), o exercício pretendia ensaiar uma ação de blindagem dos 1.600 quilômetros da fronteira com a Colômbia. A hipótese era a ocupação da cidade de Mitu, próxima da linha de divisa. Para chegar até ela, os combatentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) deveriam entrar em território brasileiro. A tropa do CMA deveria selar a passagem. Quando a manobra estava em fase de preparação, a inteligência militar apurou que os rebeldes pretendiam estabelecer ao menos um ponto de refúgio no Brasil. Em uma incursão de reconhecimento, sete homens haviam levado dois motores de popa, um barco, remédios e quase toda a comida que encontraram.

As cinco horas seguintes ao momento em que Elias tocou o chão, recolheu o parapente de tecido preto, reuniu os homens de seu grupo de fogo para estabelecer o perímetro de segurança em redor da pista e receberam dos superiores a tarja da informação classificada estão condenadas ao segredo. O que ele conta, todavia, é uma viagem ao inferno. Aparentemente havia no local um destacamento da Frente 23, das Farc, aguardando o pouso noturno de um avião clandestino transportando suprimentos. Embora tenham tratado de desaparecer mata adentro, teria havido resistência.

Na manhã seguinte, a Operação Querari prosseguiu, com quatro caça-bombardeiros A-1 AMX do Comando da Aeronáutica despejando bombas e atacando a tiros de canhão 30 mm posições hipotéticas da guerrilha. Em um dado momento, os jatos de precisão avançaram cerca de 100 km em território da Colômbia. Um cidadão colombiano de 23 anos, identificado como Bernardo Soto, foi atendido na mesma semana em São Gabriel da Cachoeira pelos médicos de uma missão evangélica itinerante. Apresentava graves queimaduras, conseqüência, segundo disse, de um acidente com gasolina. O napalm das bombas incendiárias é uma espécie de gasolina gelatinosa. Claro, pode ser apenas coincidência.

Na prática, o sucesso do ensaio de defesa, tenha ou não superado os limites do mero treinamento, serviu para consolidar a necessidade de manter o projeto do Sivam sem alterações de formato e prazo, pontos ainda em discussão no governo federal naquele momento.

O Sivam começou mostrando serviço: nos primeiros 30 dias de atividade plena, em 2002, identificou e permitiu a apreensão de 84 aviões em vôo irregular. No mesmo período, foram localizadas 33 pistas clandestinas usadas pelo narcotráfico, contrabandistas e garimpeiros ilegais. Na maioria dos casos as aeronaves, monitoradas e inspecionadas em terra, “não tinham documentação ou apresentavam papéis claramente fraudados”, de acordo com a Aeronáutica.

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